Nasceu no fim do século XIX. Mas era uma mulher
fora do seu tempo. Muito independente, tinha sido ela, ainda muito jovem jovem,
a ficar à frente do negócio da família depois da morte prematura do pai. Pelo
menos até os credores lhes tirarem tudo. Ficou sempre solteira. Tivera apenas
um namorado que morrera numa tristemente célebre catástrofe da cidade,
soterrado, com outros colegas bombeiros, quando desabou o telhado do prédio
cujo incêndio combatiam. Não lhe conheceram outro. Não teria sido fácil. Aquela
mulher de fibra nunca teria admitido que um homem mandasse nela e nunca teria
gostado de um homem que permitisse que ela mandasse nele. Diziam que tinha
herdado o mau feitio da avó, uma pessoa de mau génio que, contava a lenda
familiar, quando estava já no leito de morte, ainda tinha dado uma bofetada ao
neto quando o tinham levado a despedir-se dela, por estar ranhoso. Sempre a
conheci com os seus vestidos largos e decotados, detestava sentir-se apertada,
e sapatos rasos de tira. Sempre se limpou só a toalhas de linho. Nunca esteve
doente de cama excepto os três últimos dias de vida. Poucas semanas antes de
morrer, aquela mulher austera, a quem nunca tinha sido ouvida uma palavra menos
própria, teve esta tirada exemplar, quando alguém falou em velhos na sua
presença: os velhos estão-se a cagar para os novos. Morreu de velhice
cumprindo, assim, o maior objectivo de qualquer vida.
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