a actriz foi apanhada na cama com o cão dos príncipes
deixou um monte no Alentejo foi sujeito a uma cirurgia teve quatro gatinhos
todos sobreviveram ao terrível acidente geológico que é a maior fonte de água
termal naturalmente as árvores queimadas foram proibidas entre junho é o mês
das flores comestíveis que além de decorar o papel é cada vez mais difícil
conseguir viver com o ordenado mínimo vai ser actualizado pelo que o servidor
vai estar inoperativo durante três horas o que causou avultados ganhos ilícitos
fizeram desconfiar os vizinhos barulhentos são uma dor de cabeça terá sido a
causa da saída da professora que deixou a sua biblioteca de livros eróticos ao
museu... porra, não consigo encontrar nada na net sobre o assunto que vim pesquisar,
vou antes procurar numa enciclopédia!
David Teles Ferreira
aqui vou publicando o que vou escrevendo
segunda-feira, 28 de dezembro de 2015
quarta-feira, 23 de dezembro de 2015
O Pai Natal existe
O Pai Natal existe. As crianças é que sabem. Existe
e toma muitos nomes e muitas formas consoante as regiões e crenças. Tem o poder
da ubiquidade, de entrar nos nossos sonhos, de voar. Entre muitos outros,
claro. Age, normalmente por interposta pessoa. Quase sempre pais, avós e
familiares e amigos, no caso dos cristãos. Mas pode ser de muitas outras formas
e em muitas outras datas, para gente de outras religiões. Até para os ateus.
Por isso um dos seus nomes é, também, Generosidade. Quando as pessoas estão a
dar um presente julgam que são elas que o estão a oferecer mas, na realidade, é
o Pai Natal que incorporou nelas. Por isso ele consegue chegar a tanto lado ao
mesmo tempo. No entanto, há algumas pessoas de quem se ocupa ele mesmo.
Crianças abandonadas pela sorte. Pessoas sós, sem família nem amigos.
Mariazinha é uma delas. Vive sozinha e não tem ninguém. Com pouco mais de
quarenta anos, ainda fresca de carnes embora não pareça, escondidas que estão
por baixo de roupas disformes. O rosto parece também menos jovem por causa dos
óculos de aros muito grossos e lentes espessas. Tenta passar despercebida e
consegue-o a maior parte das vezes. Vive no eterno dilema de querer alguém e
ter medo de alguém a querer. De lhe doer a solidão, mas não se sentir bem com
companhia. De ansiar por um afago, mas toda se encolher de angústia com
qualquer maior proximidade física. Compensa-se de outras maneiras. Lê muito e
vive através dos livros. Come bem, doces sobretudo, e a sua casa está sempre demasiado
aquecida. Naquela noite de Natal, quando o Pai Natal entrou com o presente, um
livro de poemas por que ela ansiava, encontrou-a adormecida. Nada de anormal
para ele, claro. Era a sua última entrega dessa noite e estava já fatigado. Mas
quando se preparava para deixar a prenda surpreendeu-se com o sonho de
Mariazinha. Porque aquela triste mulher solitária sonhava com ele. E não era um
sonho normal. Mais exactamente, Mariazinha sonhava que estava a fazer amor com
o Pai Natal. Ele olhou-a então, curioso. Deitada no sofá, vestia apenas uma camisa
de noite transparente que deixava ver, perfeitamente, o corpo esbelto e uns
belíssimos seios. Os mamilos, de tão erectos, pareciam querer furar o tecido
fino que os cobria. A agitação do sonho tinha feito subir a camisa para a cintura,
deixando ver um velo pouco denso e a vulva humedecida. O Pai Natal quedou-se,
estarrecido. Porém nem os deuses são imunes a estas coisas, quanto mais o Pai
Natal. Deu consigo com uma forte erecção. Esqueceu a prenda. Despiu-se e, chegando-se
a Mariazinha, penetrou-a com doçura. Mariazinha despertou, mas julgou que
continuava a sonhar. Fizeram amor todo o resto da noite. Uma e outra vez. De
madrugada o Pai Natal foi-se embora deixando Mariazinha a dormir, agora um sono
sem sonhos. O livro de poemas esquecido no bolso. E nessa manhã o Pai Natal,
apesar do cansaço, chegou a casa com um brilhozinho nos olhos.
segunda-feira, 21 de dezembro de 2015
Viagem (100 ª publicação)
Esta é a minha 100ª publicação no "escrita de bolso"
pelo que comemoro com o primeiro conto curto que escrevi,
há cerca de 30 anos, e que já foi publicado no "Jornal das Cortes"
Viagem
Fiz há alguns anos
uma viagem para uma pequena povoação do norte, à beira mar. Como nunca lá tinha
ido e não tinha a certeza do caminho saí cedo de casa e gozei a condução, o
sucessivo diminuir da largura das estradas, o progressivo desaparecimento de sinais
humanos na paisagem, à medida que me aproximava do destino. Fui perdendo também
a noção de onde me encontrava e, de repente, dei comigo numa pequena estrada de
terra que parecia não ter largura suficiente para o carro e onde os pneus
marcavam dois sulcos profundos no pó. Completamente perdido decidi seguir em
frente curioso sobre onde me levava aquela estrada. Continuei alguns quilómetros
entre pinhais até que a estrada acabou abruptamente junto ao mar. O dia estava
claro mas sem sol e tudo tinha um ar cinzento: o mar, o céu, a areia da imensa
praia, o pinhal denso atrás de mim. Nenhuma construção se avistava ali, nenhuma
viatura. No entanto, na praia, estava sentada uma mulher jovem, de cabelos
lisos pelos ombros, alourados, vestida com uns calções brancos e uma camisa
vermelha, que era a única nota colorida em toda a paisagem.
Saí do carro e fui
até junto da mulher sentada na areia e que, muito quieta, contemplava o mar.
Perguntei-lhe se conhecia o caminho para a aldeia para onde me dirigia. Só
nessa altura desviou os olhos para mim. Olhou-me com um olhar exactamente da
cor do mar, e nada respondeu. Repeti a pergunta uma e outra vez, mas a mulher
apenas me olhava. Depois falei-lhe em todas as línguas que sabia, que, de
repente, eram muitas, e sempre a mulher ficou muda, olhando para mim com olhos
de espelho. Quando me calei tornou a olhar o mar. Então sentei-me a olhá-la e
via o mar nos seus olhos.
Completamente
imóvel, os joelhos entre os braços, aquela mulher olhava o mar com um olhar
inquieto, que a todo o instante se movia com as ondas.
Não sei quanto
tempo ali fiquei a olhar aquela mulher que olhava o mar, mas sei que foram
muitas horas, imóveis, os dois, sentados sobre a areia da praia imensa e vazia.
A certa altura, não sei como, acordei daquele quase encantamento. Encaminhei-me
para o carro sem um adeus, sem lhe tocar, sem mais uma palavra. Virei o carro
para me ir embora e, quando entrei na estrada por onde tinha vindo, que era
aliás a única, espantei-me ao ver que não apresentava nenhuma marca de rodas.
Antes tinha o nítido aspecto, com as ervas a crescerem muito direitas sobre os
trilhos, de que já não passava ali ninguém há muito, muito tempo.
quinta-feira, 17 de dezembro de 2015
A gaveta
Quando lhe ligaram do hospital a dizer que o pai tinha falecido foi
apanhado de surpresa. Nem sabia que ele estava doente, muito menos internado.
Falavam-se raramente. Quase sempre telefonemas breves. Nunca tinham sido
próximos. Ele culpava o pai por isso. Um pai sempre ausente, mesmo quando
estava presente. Sempre ocupado com as suas coisas, que ele nunca tinha
conseguido saber exactamente em que consistiam. Chegava a casa e fechava-se na
sua salinha, onde ele não era autorizado a entrar, e só saía para as refeições
que eram tomadas em silêncio, à moda antiga. Nunca lhe tinha perguntado pela
escola. Por namoradas. Pela vida. Bom dia, boa tarde. Um ocasional roçar de mão
pela cabeça quando era mais miúdo. Nunca um, Como estás? Parecia que ele era
invisível. Que nem dava pela existência dele. A mãe, pelo contrário, tinha sido
tudo para ele. Estava sempre ao seu lado. Falavam de tudo sem peias nem
segredos. Talvez para compensar o feitio fechado do marido. E ele retribuíra o
amor e atenção maternos. Eram sempre os dois para tudo. Uma unidade. Não
precisavam de mais ninguém. Por isso, quando a mãe morreu, saiu de casa e
afastou-se. Pagou ao pai na mesma moeda. Organizou a sua vida noutra cidade,
que não lhe lembrasse a ausência dolorosa da mãe, e contactava o pai o mínimo
indispensável a ficar de bem com a sua consciência. E, mesmo isso, apenas
porque a mãe lho tinha pedido antes de morrer.
Quando chegou a hospital verificou que o pai tinha deixado tudo pago e
disposto acerca dos procedimentos do funeral e que só lhe faltava assinar uns
papéis e acompanhar o féretro ao crematório. Entregaram-lhe também uma pasta
com documentos, em que verificou que a casa tinha sido posta no seu nome, e um
molho chaves. Entre elas uma mais pequena que identificou de imediato de onde
deveria ser. A mais importante para ele. Claro que apesar da proibição e da
constante vigilância da mãe tinha entrado na salinha do pai. Que adolescente o
não faria? Mas tinha encontrado apenas um pequeno aposento quase vazio, com
excepção de um cadeirão, uma estante com uns poucos livros e um móvel com meia
dúzia de objectos sem interesse. Neste último havia uma gaveta fechada à chave
e que não tinha conseguido abrir. Em parte por falta de oportunidade, em parte
por medo de estragar alguma coisa e ser descoberto. Ou talvez, apenas, por
falta de interesse. Mas, com o tempo, tinha dado consigo a pensar cada vez mais
naquela gaveta e no que ela poderia conter. Que segredo guardaria o pai? Por
isso, assim que pôde, correu a casa do pai e entrou na salinha. Estava
precisamente como se lembrava, apenas mais poeirenta. Dirigiu-se ao móvel e
abriu a gaveta. Quando viu o que estava lá dentro não soube o que pensar. Ficou
completamente aturdido. Numa completa confusão de sentimentos que iam da
ternura à raiva. Tirou a gaveta do móvel e levou-a para cima da mesa de jantar,
onde tinha mais luz. E, emocionado, começou a retirar, um a um, mais do que
objectos, fragmentos da sua vida desde que nascera: uma chupeta, uma fralda,
desenhos que tinha feito em diversas idades, brinquedos estropiados, um pião, o
rapa, berlindes, um registo de todas as suas notas e actividades escolares, uma
revista erótica que julgara que a mãe tinha descoberto e deitado para o lixo, algumas
redações, fotografias que nem sabia que existiam, um teste psicotécnico, uma
cópia da tese de mestrado...
segunda-feira, 14 de dezembro de 2015
Mulheres
Cresci rodeado de mulheres. Todas elas dotadas de enorme
força, cada uma à sua maneira. Cada uma delas admirável pela sua postura nos períodos
mais difíceis. Não vou nomear nenhuma, mas todas moram no meu coração. Não esqueço
nenhuma delas nem os ensinamentos e exemplos que me deram. Não esqueço como, a
que parecendo frágil, resistiu à prisão e à dor da doença que a vitimou. Não esqueço
as que me ensinaram o poder do sonho. As de resposta pronta. As que me mostraram
o que é a coragem. A resistência. Que todas me transmitiram valores importantes.
Essenciais. Como a integridade. A lealdade. A solidariedade. Cresci com elas.
Em todos os sentidos. E todas elas vivem, mesmo as que já partiram, em mim.
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