David Teles Ferreira

aqui vou publicando o que vou escrevendo

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

A arca



A arca. O cheiro. A alfazema velha e humidade. Os cobertores que arranham a pele. Que mais do que aquecer, pesam. Mantas de papa, chamavam-lhes. Traçadas já. Carregadas de história e histórias. Memórias de lençóis de linho, puídos embora. E de colchões de folhelho que sublinhavam com rangidos o menor movimento. Que marcavam ritmos em noites de lua apetecida. Apesar das cautelas. Apesar da vergonha. Das rendas das fronhas que marcavam as faces de flores e cornucópias. E quadrados pequeninos. Lembranças das crianças que esqueciam os lençóis e se deitavam no meio dos cobertores, porque gostavam das cocegas que os faziam rir e esquecer o frio. Com as cabeças tapadas para as orelhas não gelarem e não deixarem de sentir a ponta do nariz. Com as mãos entre as pernas por causa das frieiras. E que assim, encolhidos a brincarem às tocas, caíam no sono. Pegavam no sonho. A arca tem cheiros. A arca tem sonhos.

1 comentário:

  1. ...cobertores de papa, colchões de folhelho (em Angola dizíamos de palha - dava um trabalhão fazer as camas), a minha infância também passou por aí e pelos sonhos, durante o cacimbo...

    ResponderEliminar