Quando a Joana saiu de casa a Maria não disse nada. Eu
estava meio aparvalhado a ouvir a Joana a berrar comigo enquanto arrumava as
coisas dela numas malas que tinha trazido emprestadas de não sei quem.
Chamava-me morcão e arrumava as cuecas. Chamava-me imbecil e arrumava as
camisolas. Chamava-me anormal e arrumava os jeans. E que se ia embora porque já
nem me podia ver. E estava farta de me aturar. E chamava-me atrasado mental e
arrumava os colans. Chamava-me parvo e arrumava as mini-saias. E eu embasbacado
a olhar para aquilo tudo sem perceber donde vinha aquela fúria toda. Sem
perceber o porquê daquela atitude sem anúncio nem aviso. E ela a gritar comigo,
sem se lembrar que era dia da empregada. E eu cheio de vergonha nem falava. E
ela cada vez mais furiosa com o meu silêncio. E ela que estava farta de eu
nunca dizer uma palavra. Nem que sim nem que não. Que era um mono que para ali
andava. E quando chegou aos perfumes os insultos já eram repetidos. Pegou nas
malas, disse-me adeus, e foi-se embora e levou o carro. E eu fiquei parado sem
saber que raio se tinha passado. A empregada continuava na cozinha a passar a
ferro sem dizer nada. E quando chegaram as seis horas em vez de se ir embora
para a Brandoa ou para a Pontinha ficou cá em casa, fez-me o jantar, pôs a mesa
e chamou-me para ir comer. Comeu comigo, arrumou a cozinha e foi-se sentar na
sala a ver televisão ao pé de mim. Sem dizer nada. E eu que só sabia que ela se
chamava Maria e que ia lá a casa fazer a limpeza à quarta-feira, nem sabia se
era a mesma Maria que lá fazia a limpeza há quatro anos ou era outra, fiquei a
ver televisão com ela. E quando o filme acabou ela foi abrir a cama, esperou
que eu me deitasse e deitou-se também. E no dia a seguir quando cheguei a casa
tinha a roupa dela no armário. E não me apresentou pais nem irmãos. E continuo
a só saber que se chama Maria e dorme comigo. Faz-me a comida e trata-me da
roupa. E nunca disse nada.
Sem comentários:
Enviar um comentário