Marraquexe. A cidade
vermelha. Para mim é rosada, o que só lhe aumenta o encanto. Fui lá parar uma
vez e deixei-me ficar. Gostei da luz, dos sons, do ambiente. Poderia
ter ficado a viver em Marraquexe se não fosse o mar. A ausência do mar. Sempre tive que sentir que tinha o mar perto. Havia o deserto ali ao lado, claro. Mas,
embora o adorasse, não me causava a emoção do mar. Gostei de lá viver, no
entanto. Naquele minúsculo quarto no cimo do prédio, demasiado quente, que
tinha escolhido pelas vistas e pela sensação de segurança. De um dos lados
avistava (e cheirava) uma zona de preparação e tingimento de peles e o meu
entretém, quando o cheiro permitia, era ver aqueles desgraçados naquele
trabalho duríssimo. Mas os tanques coloridos e as peles a secar lembravam uma
pintura abstracta. O resto do dia passeava pelo souk, ia ver as novidades à
Fnac Berbere, supremo exemplo do humor marroquino, e acabava numa esplanada
sobranceira à praça Djemaa el Fna a observar o movimento. A ver como as motoretas
conseguiam não colidir umas com as outras. Uma vez vi passar uma carregada de
caixas se ovos e quase desejei que tivesse um percalço. Fiz amizade com alguns
comerciantes do souk e acabei a passar tardes nas suas lojas a fumar chicha, a
beber chá e a vê-los endrominar modestamente os turistas. Digo modestamente
porque nunca os enganavam na qualidade do produto, de que muito se orgulhavam,
mas apenas no preço. Era gente simples e generosa. Com um deles fiz uma viagem
ao deserto. Conheci velhos berberes que nunca tinham saído da sua aldeia, mais
do que algumas viagens à cidade mais próxima, mas eram mais sábios que muitos
doutores. No regresso passámos em Ait Ben
Haddou e apaixonei-me pelo sítio. Fiquei lá uns dias só a deixar-me embeber do
espírito das ruínas e em meditação. Lá o tempo não passa. Parece que não
precisamos de nada. Quase nem de comer. Se não se tivesse acabado o dinheiro
acho que ainda hoje lá estava. Voltei a Marraquexe só para arrumar o saco e
partir.
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