Senhor! Chegue aqui, por favor. Venha cá falar
comigo. Não tenha medo. Eu sei que é intimidante vir a este hospital, mas aqui
nem todos são doidos. Muito menos perigosos. Pelo menos não mais do que os que
andam lá fora. Eu sei-o bem, acredite. Estou aqui para escapar, não por ser
doida. Não me adapto ao mundo lá de fora. Ou ele a mim. Eu tentei, juro, mas
não consegui. Desde sempre. Fui, desde que nasci, uma criança estranha, diziam.
Ficava horas a olhar as plantas e os insectos. Gatinhava até às flores para
cheirá-las e ria e chorava ao mesmo tempo com o seu aroma. Ao invés dos outros miúdos
não esmagava as formigas nem tirava as asas às moscas. Nunca desfolhei uma
flor. Assim cresci, solitária e sujeita à constante troça dos demais. A escola,
então, foi um suplício, só mitigado por a professora gostar de mim. Era bem
comportada e aplicada. E tinha verdadeiro prazer em aprender. Adorava quando a
professora contava a história ou lia estórias e poemas. Chegava a chorar de
emoção ao ouvi-la. Por isso me chamavam anormal. Deixei a escola cedo mas nunca
me esqueci do que lá aprendi. Também cedo fiquei só, por morte da minha mãe,
que meu pai já abalara há muito. Trabalhava aqui e ali, mal ganhando para
comer, mais por pena de algumas pessoas boas, embora fosse diligente e
esforçada. Mas o estigma de louca nunca me abandonava. Começaram a acusar-me de
ter ataques de poesia. Verdade! E tudo por, de quando em vez, falar em verso.
Sempre tive jeito para rimas e gostava de brincar com as palavras. Por isso me
chamavam poetisa e outras coisas. Na minha terra, poetisa é dos piores insultos
que pode haver. Sei agora, depois destes anos todos, que era medo o que
sentiam. Medo da diferença e de uma mulher que queria pensar pela sua cabeça.
Uma pessoa que pensa é assustadora no meio em que cresci. Por isso me mandaram
para aqui, e nem sabem o favor que me fizeram. Cá sou feliz. É muito tranquilo.
Ninguém nos julga por sermos diferentes. Aqui é normal ser-se diferente. Dão-me
trabalhos para fazer e gostam da maneira como os executo. Têm uma biblioteca
cheia de livros que vou lendo e relendo um por um. E até apreciam os meus
versos. Também me chamam poetisa, mas é um elogio. Como sabem da história dizem,
Tiveste mais um ataque de poesia e que lindo poema escreveste.
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