Quando era pequena julgava que era uma princesa. A
sério que julgava. Afinal de contas até vivia num palácio igualzinho às
gravuras dos livros de histórias. Eu bem estranhava que o meu palácio só
tivesse três assoalhadas contando com a cozinha, mas como tinha torres com
telhados em bico e ameias continuava convencida que era princesa. Também
estranhava não ter aias nem criados e que a minha mãe passasse os dias na
cozinha, vestida de rainha e com uma coroa na cabeça, a fazer comida e a passar
o chão a pano de joelhos, mas julgava que era uma excentricidade da realeza.
Não estranhava muito não ter casa de banho porque já tinha ouvido dizer que nos
castelos era coisa que não havia e, de qualquer maneira, lá na aldeia ninguém
tinha. O que mais me fazia confusão era o meu pai, em vez de coroa e manto,
trazer vestido um fato de macaco e um boné da tropa todos borrados de tinta e,
em vez de andar de coche, chegar a casa num triciclo motorizado carregado de
latas e pincéis e um escadote. Mas como na escola todos se riam muito para mim
e me chamavam princesinha, vivia num palácio igualzinho às gravuras dos livros
de histórias, com torres com telhados em bico, e andava sempre vestida de
princesa, as minhas dúvidas acabavam. Só mais tarde descobri que o meu pai era
pintor da construção civil e tinha sido emigrante. E quando regressou de França
tinha resolvido fazer uma casa igualzinha aos palácios dos livros de histórias.
E a partir desse dia para se vingar a minha mãe passou a vestir-se de rainha. E
a mim de princesa.
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