David Teles Ferreira

aqui vou publicando o que vou escrevendo

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

A memória do Cabrão



A opinião era unânime. Aquele homem era um cabrão. Um grande cabrão. E não, não tinha nada a ver com o comportamento da mulher, até por que a não tinha. Era tão cabrão que nenhuma mulher o tinha querido. O homem era simplesmente execrável. Abjecto. Infame. Um grande cabrão, portanto. Tinha, ainda em idade de berço, mordido o bico da mama em que mamava, magoando seriamente a mãe. Ainda gatinhava e já tinha estrangulado dois dos gatos da família, só não tendo conseguido fazê-lo ao terceiro porque o gato era tão mau como ele e o tinha arranhado seriamente e chispava para o mais alto que conseguia sempre que o pressentia. O cachorro da casa urinava-se sempre que o via e fugia de rabo entre as pernas. Mais tarde, não havia empregada que aguentasse uma semana devido às suas tropelias. A mãe tanto chorou por causa dele que acabou por definhar de tal maneira que, quando finalmente entregou a alma ao criador, foi a enterrar num caixão que parecia de criança. O pai tentou de tudo para o endireitar, desde rezas a sovas de cavalo-marinho, mas sem nenhum resultado. Acabou por desaparecer e, ainda hoje, há quem diga que foi o filho que o matou e fez desaparecer o corpo. Cresceu selvagem e cabrão. Isolado de todos. Por vontade própria e porque todos procuravam afastar-se dele o mais que podiam. Foi com alívio que a gente da terra percebeu que se tinha ido embora. Só nessa altura as línguas se soltaram e as pessoas começaram a evocar as memórias do cabrão. A contar umas às outras as cabronices que ele lhes tinha feito ou de que tinham conhecimento. Nem se deram conta de que ao tanto evocar essas lembranças o elevaram ao estatuto de lenda. E de que, desse modo, embora ele se tivesse perdido pelo mundo e não mais dele houvesse notícias, nunca mais se livraram do cabrão.

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