David Teles Ferreira

aqui vou publicando o que vou escrevendo

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Poetisa



Senhor! Chegue aqui, por favor. Venha cá falar comigo. Não tenha medo. Eu sei que é intimidante vir a este hospital, mas aqui nem todos são doidos. Muito menos perigosos. Pelo menos não mais do que os que andam lá fora. Eu sei-o bem, acredite. Estou aqui para escapar, não por ser doida. Não me adapto ao mundo lá de fora. Ou ele a mim. Eu tentei, juro, mas não consegui. Desde sempre. Fui, desde que nasci, uma criança estranha, diziam. Ficava horas a olhar as plantas e os insectos. Gatinhava até às flores para cheirá-las e ria e chorava ao mesmo tempo com o seu aroma. Ao invés dos outros miúdos não esmagava as formigas nem tirava as asas às moscas. Nunca desfolhei uma flor. Assim cresci, solitária e sujeita à constante troça dos demais. A escola, então, foi um suplício, só mitigado por a professora gostar de mim. Era bem comportada e aplicada. E tinha verdadeiro prazer em aprender. Adorava quando a professora contava a história ou lia estórias e poemas. Chegava a chorar de emoção ao ouvi-la. Por isso me chamavam anormal. Deixei a escola cedo mas nunca me esqueci do que lá aprendi. Também cedo fiquei só, por morte da minha mãe, que meu pai já abalara há muito. Trabalhava aqui e ali, mal ganhando para comer, mais por pena de algumas pessoas boas, embora fosse diligente e esforçada. Mas o estigma de louca nunca me abandonava. Começaram a acusar-me de ter ataques de poesia. Verdade! E tudo por, de quando em vez, falar em verso. Sempre tive jeito para rimas e gostava de brincar com as palavras. Por isso me chamavam poetisa e outras coisas. Na minha terra, poetisa é dos piores insultos que pode haver. Sei agora, depois destes anos todos, que era medo o que sentiam. Medo da diferença e de uma mulher que queria pensar pela sua cabeça. Uma pessoa que pensa é assustadora no meio em que cresci. Por isso me mandaram para aqui, e nem sabem o favor que me fizeram. Cá sou feliz. É muito tranquilo. Ninguém nos julga por sermos diferentes. Aqui é normal ser-se diferente. Dão-me trabalhos para fazer e gostam da maneira como os executo. Têm uma biblioteca cheia de livros que vou lendo e relendo um por um. E até apreciam os meus versos. Também me chamam poetisa, mas é um elogio. Como sabem da história dizem, Tiveste mais um ataque de poesia e que lindo poema escreveste.

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