David Teles Ferreira

aqui vou publicando o que vou escrevendo

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Comboio nocturno

O comboio avançava ruidosamente na noite brumosa. A escuridão era quase total. O homem, sozinho no compartimento, tinha apagado as luzes e estendera-se nos bancos, com a mochila por travesseiro, tentando dormir um pouco. Conseguira adormecer há pouco, de tal modo que não se tinha apercebido da paragem do comboio, quando sentiu abrir a porta do compartimento e entrar gente. Ouviu vozes de mulher que logo se extinguiram passando a um sussurro. As luzes continuaram apagadas. Abriu os olhos e enxergou duas mulheres que o olhavam sentadas na obscuridade. Fez menção de se levantar, mas elas, continuando a falar baixo, logo lhe disseram para não se incomodar. Podia dormir descansado. Elas sairiam numa das próximas estações e prometiam não o incomodar. Agradeceu e voltou a fechar os olhos, dormitando, embora se sentisse constrangido por estar ali deitado com duas mulheres a olhá-lo. Pareciam velá-lo. As mulheres foram falando em surdina até que lentamente se calaram. Descerrou disfarçadamente um olho e espreitou. Uma das mulheres dormitava enquanto a outra olhava para a janela, embora por ela não entrasse senão negrume. Deixou-se adormecer então, enquanto pensava como era estranho, ao mesmo tempo, aquelas pessoas, um homem e duas mulheres que não se conheciam de lado nenhum, estarem ali a dormir juntas no mesmo compartimento acanhado. Era uma daquelas situações que só era possível em viagem. Acordou com a mulher que ia acordada levantada a espreitar pela janela e chamar a outra. Estavam a chegar ao apeadeiro delas. Saíram apressadamente enquanto se desculpavam por tê-lo acordado e lhe desejavam um bom resto de viagem. Tornou a ficar sozinho no compartimento. O comboio tornou a arrancar com um gemido e ganhou balanço rapidamente. Continuou deitado mas, estranhamente, não conseguiu tornar a adormecer.

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