David Teles Ferreira

aqui vou publicando o que vou escrevendo

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Solidariedade

Viviam pobremente. A ditadura proibira-os de ensinar e conseguiam sobreviver dando algumas aulas de forma clandestina. Já não eram novos. Mas perante as adversidades que já tinham passado, e tinham sido tantas e tão duras, eram felizes à sua maneira. Estavam juntos. Isso valia mais do que tudo o resto. E eram ricos de cultura e sonhos. Naquele dia ele tinha ido receber o pagamento de umas explicações. Coisa pouca, mas tanto no seu parco rendimento. Quando chegou sentou-se abatido numa cadeira da sala e contou que tinha perdido a carteira com todo o dinheiro. Ela não se conseguiu conter numa recriminação que o profundo companheirismo que os unia logo esmoreceu. Como poderia aquilo ter acontecido e logo a ele que era tão cuidadoso. Uns dias mais tarde ela soube inadvertidamente o que realmente se passara por uma amiga que tinha assistido de longe à cena. No caminho para casa ele tinha encontrado a mulher em casa de quem tinha estado hospedado enquanto estudante. Estava desesperada e na mais aviltante miséria. Não resistiu a entregar-lhe a carteira com todo o dinheiro que levava. Quando ela o confrontou ternamente com a verdade não negou. Apenas perguntou: que querias que fizesse se ela precisava muito mais desse dinheiro do que nós?

(ao Tio Zezinho e à Tia Celeste, que foram protagonistas desta história)

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