A noite estava cálida e silenciosa. Nem o mar se
ouvia, apesar de estar próximo. De sacada aberta e luz apagada por causa dos
mosquitos ia-me deixando estar, meio a dormitar meio a meditar, recostado no
cadeirão. Um ruído longínquo, no entanto, começou a perturbar o sossego. Uma
espécie de arrastar sincopado que não consegui identificar e se foi
intensificando. Despertei da modorra e apurei o ouvido. Nada mais se ouvia além
daquele zap zap zap. O silêncio é coisa estranha em terra de beira-mar.
Levantei-me e assomei à varanda. Na rua um grupo de umas quatro ou cinco mulheres
corria, uma delas com uma criança nos braços, embrulhada num xaile, em direcção
ao hospital ali ao lado. Era o arrastar das chinelas que provocava o ruído que
ouvira. Iam no mais absoluto silêncio e com um ar de aflição estampado nos
rostos. E foi esse silêncio que, em terra de grito fácil, mais me impressionou.
Nem deram pela minha presença. Nunca soube que tinha a criança para ficarem tão
aflitas, mas devia ser bem grave para irem tão caladas. Fiquei a vê-las afastar
em direcção às urgências e voltei para dentro de coração apertado. Nunca mais
esqueci aquele som.
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