David Teles Ferreira

aqui vou publicando o que vou escrevendo

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Um ruído na noite



A noite estava cálida e silenciosa. Nem o mar se ouvia, apesar de estar próximo. De sacada aberta e luz apagada por causa dos mosquitos ia-me deixando estar, meio a dormitar meio a meditar, recostado no cadeirão. Um ruído longínquo, no entanto, começou a perturbar o sossego. Uma espécie de arrastar sincopado que não consegui identificar e se foi intensificando. Despertei da modorra e apurei o ouvido. Nada mais se ouvia além daquele zap zap zap. O silêncio é coisa estranha em terra de beira-mar. Levantei-me e assomei à varanda. Na rua um grupo de umas quatro ou cinco mulheres corria, uma delas com uma criança nos braços, embrulhada num xaile, em direcção ao hospital ali ao lado. Era o arrastar das chinelas que provocava o ruído que ouvira. Iam no mais absoluto silêncio e com um ar de aflição estampado nos rostos. E foi esse silêncio que, em terra de grito fácil, mais me impressionou. Nem deram pela minha presença. Nunca soube que tinha a criança para ficarem tão aflitas, mas devia ser bem grave para irem tão caladas. Fiquei a vê-las afastar em direcção às urgências e voltei para dentro de coração apertado. Nunca mais esqueci aquele som.

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