A memória é uma coisa tramada. Devíamos pensar que
era a falta dela que era mau, mas ter memória é muito pior. É por ter memória
que nos angustiamos com o futuro. É por ter memória que as saudades teimam em
demorar a passar. É por tê-la que a raiva nos invade quando nos tentam
endrominar julgando que já não nos lembramos de palavras e acções passadas. Quem
não tem memória não tem inquietações nem sofre remoques da consciência. Não se
questiona tanto. Erra sem medo nem remorso. Não tem dúvidas. Quem tem memória
sofre com a recordação dos seus erros e os dos outros. Interroga-se se estará a
agir correctamente. Consegue aperceber-se de caminhos que voltam a conduzir-nos
a abismos. Doem-lhe as ausências. Sofre com as reminiscências. É invadido por nostalgias.
E as nostalgias, mesmo as boas, podem ser dolorosas porque já só vivem na nossa
lembrança. Quem consegue não ter memória vive mais contente. Talvez, até, mais
feliz.
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